Pesquisador que
ajudou a idealizar o pacto que derrubou os índices de homicídios em Pernambuco
critica situação atual
"O Pacto construiu um mecanismo
de governança, que hoje está perdido", opina o professor de sociologia
José Luiz Ratton
Foto: Guga Matos/JC Imagem
JC Online
Coordenador do Núcleo de Pesquisas em Criminalidade, Violência e
Políticas Públicas de Segurança da UFPE e professor de sociologia, José Luiz
Ratton é uma das maiores autoridades em segurança pública do País. Um dos
idealizadores do Pacto Pela Vida, ele admite que, da forma como é feito hoje, o
programa está fadado ao fracasso, dá dicas de reestruturação, opina sobre o
Compaz e aponta soluções que as prefeituras podem adotar para ajudar a combater
o crime.
JORNAL DO COMMERCIO
- É praxe, no Brasil, os gestores municipais dizerem que segurança é
problema dos executivos estaduais. Ou do governo federal. Nossos prefeitos
estariam assim proibidos de ações de combate à violência?
RATTON - As prefeituras estão
proibidas apenas de criar organizações policiais, mas não estão proibidas de
construir programas de prevenção à violência voltados para grupos vulneráveis
(juventude negra, mulheres, população LGBT, idosos, crianças e adolescentes),
nem estão proibidas de desenvolver estratégias criativas de organização do
espaço público que favoreçam a convivência mais pacífica etc. Há uma combinação
desastrosa de racionalidade de curto prazo e falta de imaginação. Por um lado,
os gestores municipais fazem um cálculo racional perverso: como a Constituição
estabelece que as polícias são de responsabilidade estadual ou federal, os
prefeitos preferem não fazer nada na área de segurança pública para não serem
responsabilizados por eventuais insucessos. Por outro lado, os prefeitos não
sabem o que fazer, pois acham que segurança pública é sinônimo de polícia.
As prefeituras podem construir programas de prevenção da violência
dirigidos para egressos do sistema prisional... A iluminação pública pode ser
universalizada de forma a garantir a ocupação de todos os espaços públicos
durante a noite..."
JC - O senhor
poderia, então, citar ações que julga importantes e que poderiam ser
desempenhadas por uma gestão municipal na questão da segurança pública, sem
conflito com o que está estabelecido pelo “consenso”?
RATTON - Há inúmeras possibilidades:
a criação de observatórios permanentes da violência, capazes de identificar os
padrões de ocorrência do fenômeno e as áreas mais vulneráveis, possibilitando a
construção de respostas pública mais efetivas. Os executivos municipais podem criar
programas de mediação de conflitos, com participação comunitária e apoio
especializado, voltados para a identificação de conflitos que possam evoluir
para violências nas comunidades. As prefeituras podem construir programas de
prevenção da violência dirigidos para egressos do sistema prisional ou do
sistema de medidas sócio-educativas, com três dimensões: empregabilidade, apoio
psicológico e atividades que favoreçam a disciplina e responsabilização
coletiva pela paz nas comunidades. Os códigos de posturas dos municípios podem
ser utilizados para interditar locais onde recorrentemente ocorrem diferentes
tipos de violência. A iluminação pública pode ser expandida e universalizada de
forma a garantir a ocupação de todos os espaços públicos durante a noite –
calçadas, praças, áreas de convivência – o que contribui para a redução da
violência. O Planos de Desenvolvimento Urbano das cidades podem estimular,
através de descontos no IPTU, a construção de muros baixos que permitam
interações entre vizinhos e favoreçam a circulação pelas calçadas, tornando
moradias e ruas mais seguras. Muros altos e condomínios fechados são sintomas
do medo e geram insegurança e percepção de insegurança.
JC - No Recife, tem
entrado no debate eleitoral deste ano o modelo do Compaz, adotado pela atual
gestão como uma estratégia de combate à violência urbana nas periferias da
cidade. O senhor acha que este é o modelo?
RATTON - O Compaz é uma iniciativa
que poderia ser interessante para a construção de políticas públicas de
controle e redução da violência, mas não é. Ele se parece mais com os antigos
Centros Sociais Urbanos com uma outra roupagem. O Compaz deveria ser um espaço
para programas permanentes de mediação de conflitos, de prevenção da violência
voltados para os mais vulneráveis entre os vulneráveis na sua área de
abrangência. O Compaz não apresenta um conceito adequado de prevenção da
violência no curto, médio e longo prazos e nem realiza programas integrados com
esta concepção. Ademais, corre o risco de só atrair aqueles que dele não
precisam, quando deveria ser um espaço capaz de atrair, buscar ativamente e
oferecer alternativas para aqueles que estão em situação limite de envolvimento
com a violência ou já se envolveram com ela. Meu receio é que o Compaz se
transforme em um clube bacana em áreas pobres, sem aderência alguma a projetos
específicos de redução da violência.
JC - Num novo
modelo de segurança pública que possa ser de alguma maneira mobilizado pelos
prefeitos, qual, na sua opinião, será o papel da Guarda Municipal? Será o de
Polícia também? Secretaria de Segurança Municipal resolve?
RATTON - Secretarias de Segurança
Cidadã, Segurança Urbana etc, são fundamentais como instâncias de coordenação e
de execução de políticas públicas de prevenção da violência. Mas não podem ser
um mero enfeite da administração municipal. Sem recursos adequados, os
secretários ficam imobilizados e pouco podem fazer. Quanto às guardas
municipais, elas precisam ter mecanismos de integração com as polícias
estaduais e necessitam desenvolver mecanismos comunitários de atuação nos
espaços públicos municipais.
"INFELIZMENTE,
O PACTO PELA VIDA MORREU. É TAREFA URGENTE RECONSTRUÍ-LO, INSTITUCIONALIZANDO
OS AVANÇOS E APRENDENDO COM OS ERROS COMETIDOS."
JC - O Pacto pela
Vida – poderoso programa de combate à violência do qual o senhor foi um dos
mentores em Pernambuco – enfrenta hoje problemas e os resultados ruins são
evidentes. O que o senhor acha que deu errado e o que precisa ser consertado?
RATTON - O Pacto pela Vida criou um
modelo de governança integrada da atividade policial, voltado para a redução de
crimes violentos, com participação de outros atores públicos importantes, como
o Poder Judiciário e o Ministério Público. Contudo, o Pacto pela Vida não
conseguiu criar programas de prevenção da violência efetivos, com a exceção do
Programa Atitude, que hoje corre risco de ser substituído por estratégias não
laicas e atrasadas do ponto de vista técnico. O Sistema de Medidas
Sócio-Educativas não foi priorizado, assim como o Sistema Prisional, que pouco
mudou nos últimos anos. Por outro lado, se descontarmos os recursos gastos com
pessoal, houve pouco investimento, em sentido estrito, em Segurança Pública no
Estado. Não estou falando de contratação de pessoal, viaturas, coletes ou
armas. Falo de investimentos em tecnologia voltada para a prevenção e o
controle do crime, em formação policial permanente e diversificada, compatível
com as novas realidades criminais e com o respeito aos direitos humanos, em
programas de prevenção da violência com ampla cobertura. Se um dos méritos do
Pacto Pela Vida, em seus primeiros anos, foi fazer mais com menos, parece óbvio
que um modelo inovador de redução da violência não pode sustentar-se sem o
aumento de investimentos específicos na área. O Comitê Gestor do Pacto, tanto
no nível do registro das atividades criminais, realizado pela GACE/SDS, quanto
no nível da SEPLAG, trabalha com baixa capacidade tecnológica. O mesmo vale
para as Polícias, que poderiam ter bancos de dados mais sofisticados. O
investimento em Polícia Científica em Pernambuco nos últimos anos foi muito
aquém do necessário. E, finalmente, faltou institucionalizar os avanços do
Pacto pela Vida. Faltou transformar os mecanismos de integração policial em
projetos de lei que permitiriam a fiscalização tanto do Ministério Público
quanto da própria Assembleia Legislativa. E, fundamentalmente, faltou
institucionalizar a incorporação, de forma permanente, das organizações da
sociedade civil ao Pacto pela Vida, através de um mecanismo auxiliar, que
poderia ser um Conselho, ou um Fórum Estadual de Segurança Pública, que
acompanhasse e monitorasse a realização da Política Pública de Segurança do
Estado. Infelizmente, o Pacto pela Vida morreu, por todos estes motivos. É
tarefa urgente reconstruí-lo, institucionalizando os avanços e aprendendo com
os erros cometidos.
JC - É possível
atuar com eficiência na segurança pública em qualquer cidade brasileira com o
sistema prisional em frangalhos como está o nosso, no País todo?
RATTON - Não. O Brasil é um País que
prende muito e prende mal. Se não houver uma reforma séria do sistema prisional
brasileiro, tornando-o mais humano e mais eficiente e se não modificarmos os
padrões de aprisionamento no Brasil – incentivando mecanismos efetivos de
descarcerização, com acompanhamento – as políticas de segurança pública
continuarão a produzir efeitos perversos e indesejáveis. Pernambuco não avançou
nesta área.
JC - Que papel tem
uma boa articulação ou uma gestão mais integrada das instituições de Estado –
Polícia, Ministério Público, Justiça – para tornar mais eficiente os programas
de combate à violência?
RATTON - Tem um papel fundamental.
Esta foi uma das grandes novidades do Pacto Pela Vida: construiu um mecanismo
de governança, que hoje está perdido, alimentado por informação de boa
qualidade, sob o comando da autoridade política máxima do Estado, que colocava
semanalmente na mesma mesa todos os atores/atrizes que fazem parte do Sistema
de Justiça Criminal e da área de prevenção da violência para resolverem
problemas de forma intersetorial e planejada. Os prefeitos não estão proibidos
de fazer isso no âmbito municipal.
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